Para mim, lidar com grupos tem sido uma paixão atribulada de vários anos.
Hoje sei que tenho uma predisposição natural para sentir o campo do grupo e a inteligência que o governa, mas debati-me durante muitos anos com uma extrema dificuldade de me expressar nos grupos e em público de forma congruente. Um mecanismo inconsciente fazia-me dissociar do corpo e do momento, a minha mente ficava nublada ou em branco e eu não tinha ideia do que estava a sentir, de qual era a minha posição nem do que eu tinha para expressar.
Ainda assim, em 2017 abracei um desafio profissional que implicava liderar equipas transdisciplinares para a melhoria de processos da empresa em que eu trabalhava. Sem uma hierarquia definida e quando a liderança vertical se reconhece incapaz de lidar sozinha com a complexidade dos problemas, como se facilita a pluralidade de vozes? Esse era o meu desafio.
A sabedoria popular portuguesa diz-nos que “a cada cabeça sua sentença” e “quando não há pão, todo o mundo ralha e ninguém tem razão”. Sei que naquela altura eu me sentia exaurida pelo esforço de escutar todas as vozes e facilitar pontes entre elas, ao mesmo tempo que estava fascinada pelo poder transformador e pela magia que surge ao encontrar o ponto que une a todos. Nesse ponto respirava-se melhor e nós voltávamos a ser humanos entre humanos.
Inspirada pelo que tinha aprendido com o Dragon Dreaming, a Teoria U e o Way-of-Council, naquela altura eu procurava abrir-me ao campo transpessoal para que pudesse intuir qual a solução que melhor serviria o grupo.
Lembro-me que eu escutava uma perspetiva, e depois outra, e depois outra… escutava-as de coração e mente abertos e sem deixar que a minha vontade pessoal interferisse no processo. Eu intuitivamente sabia que se fizesse isso, em algum momento iria acontecer o salto mágico.
O salto mágico era o momento em que depois de cada perspetiva se ter depositado na minha consciência, internamente começava a emergir em mim a perceção de uma espécie de padrão ou matriz que integrava todas as partes. E nesse momento, a solução emergia dentro de mim. E o que era muito surpreendente para mim era que quando eu apresentava a solução, todos os envolvidos a aceitavam, era unânime. Era como se todos se reconhecessem nela, sentissem que faziam parte dela. Eu intuía que essa solução tinha vindo de um nível de consciência e de inteligência transpessoal.
Este processo era algo misterioso para mim. Apenas sabia que dadas as condições adequadas, milagre acontecia, ou seja, a solução emergia na minha consciência, mas eu não sabia porquê nem como. E ao mesmo tempo, a minha capacidade de intervenção era limitada. Eu sabia que conseguia ter esse efeito, mas apenas para pequenos grupos, ou seja, apenas para um nível de complexidade que eu conseguisse processar dentro do meu campo de consciência.
Quando eu descobri o Process Work e o comecei a aprofundar em 2019, apaixonei-me! Acho que eu vou precisar de muitos anos para consumar esta paixão!!! O Process Work, Trabalho Processivo ou Psicologia Orientada pelo Processo, deu-me a compreensão e as ferramentas para trabalhar conscientemente com as dinâmicas dos campos coletivos.
Arnold Mindell considera que os grupos operam dentro de um campo de consciência transpessoal,e as suas dinâmicas são organizadas por uma inteligência a que ele chama ProcessMind ou Mente do Processo. Sem saber, nas experiências que tive em 2017, eu facilitava a dinâmica do grupo por uma conexão espontânea minha à Mente do Processo coletivo.
O ProcessMind para mim é uma ótima notícia. Significa que não importa o caos em que coletivamente estejamos mergulhados, existe uma inteligência que governa o todo, o campo humano que partilhamos em conjunto. E isso é uma boa notícia, porque é possível aceder a essa inteligência e trabalhar com ela.
Uma forma de fazer isso é reconhecer que o campo coletivo é um espaço magnetizado por diferentes forças ou energias, a diversidade de vozes e papéis com a qual eu me debatia em 2017. Essas diferentes vozes precisam de ser representadas e tornadas conscientes para que o processo do grupo evolua.
"Only when all roles are consciously represented,can the field operate humanely and wisely. Each role is a leading one becausethe field we live in is created by the tension and interaction between all itsroles." In The Year 1, Arnold Mindell
O Ano 1 é o livro que estamos atualmente a estudar na nossa emergente (não) escola deProcess Work. No último encontro colocamo-nos a nós próprios no fogo para processarmos a diversidade e as tensões presentes no campo do nosso grupo. Em certo momento, uma pessoa expressou, relativamente a este seu percurso de aprendizagem:
“Estou a experimentar cada vez mais ser eu própria.”
Que belo! Quando cada um expressa conscientemente o que está presente em si, o campo coletivo pode operar de forma humana e sábia. É isso que andamos a treinar.
Cristina Coutinho
Texto originalmente publicado em: https://www.facebook.com/cristina.coutinho/posts/10158422507307201