Ia pegar na mala para sair de casa quando o telemóvel tocou.Uma voz masculina sóbria e ponderada apresentou-se:
- Bom dia! Estou a ligar-lhe por causa de um anúncio no OLX.
Olhei para o relógio. Ainda tinha uns breves minutos porisso procurei desacelerar e abrir espaço na mente para escutar. Desenvolvosistemas de gestão para pequenas empresas, como freelance, e precisava de me sintonizar com esse registo.
- Venho lhe propor uma atividade remunerada que consiste emassistir a 10 filmes por semana e, se fizer uma avaliação fundamentada sobre osmesmos, recebe 200€ semanais.
Afinal o cenário era diferente. Algo me soou muito estranhona proposta. Cheirava a esquema e fiz algumas perguntas para entender de que setratava. Por que é que alguém haveria de querer pagar avaliação de filmes, se as pessoas fazem isso espontaneamente?
- Porque é preciso garantir a qualidade da avaliação e não serem coisas sem fundamento.
Não sei se ver filmes de rajada é coisa para mim, eu que não vejo nenhum! Prefiro o silêncio e a contemplação do que estar a ser bombardeada com as cargas psíquicas que alguém projetou dentro de um filme. Mas não quis tomar logo a decisão. Estava com pressa. Depois pensava nisso.
- Envie-me essa informação por email e depois eu confirmo-lhe se estou interessada.
- Certo. Mas há mais uma coisa que precisa de saber. Os filmes a avaliar são de conteúdos para adultos.
Fiquei alguns instantes perplexa. Por que é que o universo me traz uma proposta tão descabida assim do nada?
- Compreendo. Mas, nesse caso, não vai funcionar.
- Mas você pode ver os filmes a qualquer hora e no momento em que tiver mais privacidade. E creio que você pode fazer boas críticas, tem perfil para isso.
- Obrigada, mas não vai funcionar.
Afinal foi fácil decidir. E depois fiquei a contemplar a conversa. A única preocupação do homem, e ele insistiu nela, era explicar-me que eu podia ver os filmes às escondidas. Na mente dele funcionava uma premissa do tipo: se ninguém vir, está tudo bem.
Quanto da nossa sociedade assenta nesta premissa? Se ninguémvir…, está tudo bem!
Pois é! Mas isso não é para adultos.
Cristina Coutinho
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Dia 6 de Novembro teremos uma nova edição do Teatro Global.
Um espaço para adultos verdadeiros, onde navegamos a experiência humana em todo o seu espectro. Olhamos com coragem para a sombra e para a dor, permitindo que se transformem em cura e alegria.
Mais informaçãe e inscrições, aqui: www.entreteser.org/teatro-global