Sinto o desejo de comprar um terreno. “Mas já tenho uma horta comunitária... para quê ter um terreno?” A minha mente procura compreender as razões obscuras deste impulso. “Um terreno para quê? A horta já me dá tanto trabalho apesar de ser pequena, já ter toda uma infraestrutura criada e haver outras pessoas a ajudar... um terreno, para mim sozinha, não faz sentido!”
Mas este discurso mental não demove o impulso interno do ser. Comecei por notar que desejo ter um espaço para estar, aterrar, descansar na terra. “Podes ir ao parque, ou podes sentar-te na horta...! Qual é a diferença?” Curiosamente, parece haver uma diferença no facto do terreno ser meu ou não.
Tenho um compromisso comigo: fazer aquilo que o meu ser quer. “Se é um terreno que queres, então vamos lá!” Depois de ver terrenos de diferentes tamanhos, localizações e tipologias... houve um que fez um clique. “Poderia ser aqui.” Ainda não sei se vai ser, mas o meu namoro com este terreno tem me trazido insights relevantes.
Há poucos dias voltei lá. Ao sair de casa, quando me dirigia até ao carro, senti que comprar este terreno seria uma “relação para a vida”. Fiquei perplexa. Uma relação para a vida?! Relação?
Os terrenos compram-se porque nos servem para alguma coisa. São um instrumento, um objeto que compramos e vendemos conforme os nossos interesses e necessidades. Ou não?
Fiquei intrigada a contemplar esta ideia de relação. E quando cheguei ao terreno e caminhei um pouco nele, percebi-o vivo. É um pequeno ponto do tecido senciente da Terra, da sua pele. Por pertencer à Terra, é um portal que me liga a todas da forças vitais do planeta e do cosmos. E quando a minha consciência se liga, dialoga, entra em relação, não com um terreno inerte, mas com a Vida em si mesma!
Estava embalada na doçura desta conexão.as ainda perplexa.Por que é que comprar este terreno tem de ser um compromisso tão grande, para toda a vida? O que muda se for assim?
As árvores, as ervas, os bichinhos, as nuvens, o vento, o sol... tudo se desdobra, se transforma a cada momento. Morte e renascimento num eterno devir. Assim sou eu também. Este corpo nasceu e um dia voltará ao pó. Nasceu fruto de dois seres humanos, que nasceram de outros seres humanos, quetinham eles mesmos nascido de outros seres humanos... numa linha ininterrupta que se perde no infinito passado. E os filhos que o meu ser possa co-gerar irão eles mesmos dar à vida outros filhos, e estes ainda outros filhos, numa linha que se perde no infinito futuro. E assim também acontece com as árvores, as ervas, os bichinhos, as nuvens, o vento, o sol... os seus ancestrais conheceram osmeus e a sua prole irá conhecer a minha.
Do infinito passado, ao infinito futuro, nós co-evoluimos. Esta é uma relação para a Vida!